Palavras contra o desespero

William Campos da Cruz
2 min readJan 22, 2021

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Desespero é um turbilhão de sentimentos simultâneos. É tanta coisa que mal conseguimos falar.

No dia em que se confirmou que meu pai estava com COVID-19 e foi internado, fiquei aflitíssimo. Um nó na garganta, um sobressalto, uma vontade de gritar. A mente girava como num rodamoinho.

Saí para respirar, em busca de alguma ordem. Tentei descrever a sensação, narrar os fatos. Inspira, expira. Afinal, o que é que estou sentindo?

Inspira, expira. Isso é o desconhecido. Alguém que sempre teve saúde de ferro, que mal tomava um analgésico, de repente precisa de internação!

Inspira, expira. Isso é medo. A doença é séria. Não é um mal que acontece lá fora, com outros. Chegou também aos meus e à minha casa.

Inspira, expira. Isso é tristeza. Amo meu pai, temo perdê-lo e lamento não ter dito com mais frequência o quanto ele é importante para mim. Lamento as vezes em que nos desentendemos por bobagem. Lamento não ter rido da última piada sem graça.

Inspira, expira. Isso é raiva. Como esse bicho maldito foi parar na casa da minha mãe? Estávamos tomando todos os cuidados recomendados. Reduzimos a quase zero a nossa frequência lá. Meus pais não estavam saindo para a rua. Minha mãe lavava na cândida até bananas!

Inspira, expira. Isso é impotência. É a sensação de que a vida não está inteiramente sob nosso controle. É reconhecer que, neste momento, não importa o quanto eu sofra, nada está ao meu alcance. Daqui, posso orar, chorar e apoiar meus irmãos e apoiar-me neles. Estamos nas mãos de Deus e dos médicos.

Inspira, expira. Isso é esperança. Parece que o caso não é tão grave. Ele vai ficar bem. Quem sabe na semana que vem ele estará de volta…

Inspira, expira. Isso é decepção. O quadro piorou. A intubação é necessária. Falta ar a ele, falta ar a nós.

Inspira, expira. O medo se concretizou. Meu pai se foi. Uma nova realidade se instaura. Como será a vida a partir de agora?

Inspira, expira. O processo volta ao início.

Tome um ar. Descreva seus sentimentos. A ordem das palavras ajuda a ordenar as ideias. Aliás, ajudam também a ordenar os sentimentos. Respirar e narrar são bons remédios contra o desespero.

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